sábado, 24 de março de 2018

1 - Futebol Intermediário Amigos do João&Benicio 17 de março 2018
por Gico

Sítio de quinta, encontro de primeira

O número 5 que caracteriza e provavelmente classifica o sítio onde foi realizado o nosso encontro não poderia ser mais emblemático. Tudo lá é de quinta categoria, a começar pela (falta de) educação revelada na recepção aos madrugadores companheiros macaenses, acostumados ao alvorecer fominha nos Cavaleiros, tratamento logo estendido a todos os atletas cariocas que chegaram antes das dez e meia.

Esses felizardos, que sobreviveram aos tiroteios reinantes, puderam testemunhar a frustrada tentativa de beijo de Jorge em Reinaldo – sorte que Monir ainda não tinha chegado -, apesar da peremptória recusa do homofóbico que, ao se proteger com a mão espalmada sobre o próprio rosto, incorporou o mote feminino consagrado pelos blocos do último carnaval – não é não.

Noves fora o fraterno assédio, coisa interna, de foro íntimo, o que mais revoltou a boa família trintense ali reunida foi o fato de que os primeiros a chegar, embora ocupantes de um suspeito ônibus escolar, tenham sido expulsos do local sem que uma professora ou monitora responsável pela turma pudesse defender os graúdos passageiros, mirins de fachada de van.

Da parte do estabelecimento recreativo, foi apurado por este que vos escreve que o encarregado das hostilidades de boas-vindas confessou ter ficado temeroso que a estranha criançada ali presente pudesse promover algazarras, traquinagens, saque das carregadas goiabeiras e até violenta guerra de cascas de laranja no requintado interior da propriedade. Quem conheceu o cítrico hábito de Manoel Jajara até haveria de entender semelhante preocupação, porém, obviamente, não era a condição do preposto deslocado para receber o grupo.   

Entretanto, bem longe – como o próprio sítio em questão - de ofuscar o nosso encontro, a descortesia do capataz só fez aumentar a nossa vontade de fazer do limão não uma limonada, verdadeiro despropósito no acompanhamento de um churrasco, mas uma bela cervejada, com todos os ingredientes futebolísticos, entre técnicos e emocionais, dignos do triunfal retorno do Eterno Presidente à aguardada simetria corporal ósteo-biônica.

Calando aqueles que não confiavam em sua difícil recuperação, cujo caso médico já invade de roldão e sem vaselina os anais da ortopedia mundial, tendo se tornado objeto de congressos e tratados específicos, o rei das canetas que tanta cobiça desperta à BIC e à multinacional Parker há de nos brindar com sua escrita fina por muitos e muitos anos.

Portanto, ao estrear a segunda prótese, Benício pendurou não a imortal chuteira, mas a palmilha solitária, dispositivo que há de ser colocado em pedestal abrigado no museu virtual da ortopedia gaúcha, em link disposto a um simples clique do memorável gol por cobertura que Pelé não chegou a fazer.

De volta às particularidades do sítio, causaria inveja ao CONTRAN, órgão que deseja impor as mais variadas formas de dificuldades aos motoristas brasileiros, porém não com o objetivo precípuo de lhes vender facilidades, o genial controle de entrada dos eventuais frequentadores.

O revolucionário sistema consiste de duas listas com os nomes completos dos participantes, metodicamente preparadas com quinze minutos de intervalo entre cada levantamento personalizado. A derradeira apuração é realizada na catraca humana anexa à porteira. Cumpre salientar que não é portaria o termo exato; que o corretor ortográfico é inocente no presente relato. Cabe salientar, no entanto, que a favor da desburocratização do acesso, os CPFs não foram exigidos para a devida contraprova.

O que importa é que, vencidos os obstáculos temporais, mesmo sem as torrenciais chuvas e trovoadas preconizadas pelo Gélson, nosso craque Maju, finalmente conseguimos passar ao outro lado da cerca de arame farpado. Trata-se de uma arcaica estrutura mista do século XIX, cujo estaqueamento em madeira outrora maciça não possui qualquer valor histórico, por conta das reiteradas intervenções humanas no marco divisório, bem como pelas numerosas infestações de cupins sofridas ao longo das décadas de ocupação pelo inseto, fenômeno que há de concorrer para um processo de usucapião em prol dos isópteros locais.

Já o conjunto arquitetônico, que inclui basicamente a churrasqueira, o salão e o banheiro exíguo, espécie de lavabo com chuveiro que não teria condições de abrigar o Heleno, não estivesse o nosso lateral-direito em plena forma, de olho gordo na vaga de Dani Alves, é de estilo de época bem mais recente.

O corpo principal da construção encontra-se, felizmente, apartado do campo de jogo, porquanto os escombros do alambrado protetor dos companheiros de Agenor & Cia parecem ter sido vítimas de um tanque do exército de ocupação do Rio de Janeiro, ora sujeito a uma polêmica ação interventora, assim como sua tela atacada por material altamente corrosivo – talvez polônio 209 KGB.

Se as ruínas da proteção contra as recorrentes bombas descalibradas inexistem na prática, inócuas afora ao tocante ao incentivo ao tétano em suas ferrugens, tão ruivinha como a saudosa Pasadena, as redes vinham em estado ainda mais degradado, senão putrefato.

Ainda que sem braços, um mero pirarucu nadaria de braçada entre as dilaceradas teias solidárias à baliza leste. Já nas traves opostas, estivesse uma rede de pesca presa aos postes e travessão, o caótico emaranhado deixaria passar incólume um hipopótamo adulto. Por essas e outras, estufar tais redes era tarefa impossível a qualquer artilheiro, mesmo para matadores da estatura de um Rudimar.

Sequiosos por fazer a bola rolar e alçar voo em direção às dorminhocas corujas, entramos no gramado, diga-se de passagem, sem qualquer marcação de cal, virgem, pudica ou rodada. Entretanto, empreendedores que somos, seguimos o vitorioso exemplo do estádio Serra Dourada em seus grandes dias, e adotamos o ton sur tonverde para a limitação da grande área.

Porém, maior ainda ficaram as linhas limítrofes da zona do agrião de Vargem Grande, pois o cortador de grama possuía a largura de um Linard em repouso. Imagino o que seria considerado “mesma linha” caso houvesse impedimento nas regras do jogo a ser apitado pelo Peixe que, para complicar, ainda contava com Mauro e Nelsinho em permanente consonância, ambos escalados no mesmo time, contrário ao meu.

Ocorre que, pela primeira vez, contados 26 anos de peladas entre a boa família trintense, fui chamado a controlar o tempo, tarefa até então da exclusiva alçada do Eterno Presidente. Ciente da envergadura do encargo, cônscio da suprema responsabilidade de substituir a contento o encantado relógio do Benício, que tantos empates forjaram ao longo das últimas décadas, logo após as palavras do Pastor Josafá, líder da Igreja das Testemunhas do Sétimo Dia de Folga, eu, enfim, logrei acionar o cronômetro para os primeiros 45 minutos de pura arte.

Ouso chegar a tal afirmação até pelas góticas figuras ali presentes, entre ocidentais e orientais, genuínas peças de museu que iam do barroco ao moderno, do beque clássico ao contemporâneo azougue sub-20. E também pelo estreante André, grande goleiro da escola alemã de Neuer, matriculado pelo pai interesseiro, José Augusto, zagueiro que conhece as vantagens de ter um Camerini ao seu lado e um líbero de confiança na cobertura, opção sempre oportuna até para dirigir o carro de volta, por contusão ou Lei Seca.

Tanto que o Téo, esperto como ele só, mesmo brilhando na meiúca, já segue o mesmo caminho, ao treinar o garoto que já arrebentou em Floripa, Thomas, belo nome, que muitos de nós veremos novamente em ação, mais alto e mais forte, no Hotel Serraverde, em junho.

Te cuida, Barrão! Faz teu papel! Não foi à toa que Diego Alves brilhou hoje em Cariacica contra a Portuguesa, com três defesas impossíveis.

Voltando ao futebol arte, fato é que, apesar da convocatória dos coletes impressionistas de Florianópolis, personalizados em amarelos e laranjas, cores imortalizadas pelos girassóis de Van Gogh, porém muito próximas em seus respectivos comprimentos de onda, em nome do bom senso e da visão de jogo, o vermelho e o azul vieram a compor as cores adversárias entre si.

O problema residiu no supracitado artilheiro, avantajada criatura que, camuflada por uma camisa colorada, atuava pela outra equipe. Assim, o gigante dos pampas exibia uma enorme superfície encarnada por entre as esgarçadas frestas do baby look azul, o que constituía um robusto e enganoso exemplo de uniforme rubro-anil.

Trilado o apito inicial, Higa, bem representando o sol nascente, surgiu no horizonte para abrir inapelavelmente a contagem. Todavia sua jogada mais marcante ocorreria bem mais tarde, o que vem repercutindo muito mal nas redes sociais. Ao derrubar o velhinho Jorge no meio campo congestionado, o companheiro não cedeu lugar preferencial ao idoso.

Rudimar, após fazer o segundo gol para “les bleus”, enfim consentiu tirar a camisa do Inter que ia por baixo do top azul.

Então, quando só Benício imaginava ser possível que o empate fosse alcançado, este que vos escreve, modestamente, conseguiu vencer a adversária Muralha – no bom sentido, sem luvas autografadas para o Barrão. Esbanjando fairplay, André, o arqueiro rival recusou veementemente o mimimi dos chorões que teriam visto falta minha em rebote disputado com lisura e oportunismo na área. Consignei o gol deitado, com a perna cega e determinação surda aos apelos de minha própria razão.  

Rudimar não tardou a fazer o terceiro e Guiga, confirmando uma escrita de tempos imemoriais, não tardaria a marcar o seu de praxe, encerrando o primeiro tempo após vigoroso aceno meu, ocasião em que me retirei da plateia, de mala, cuia e relógio, para a extensa fila do banho, onde a preferência de idosos não se fazia valer pela falta absoluta de jovens.

Daí que, em campo, Vinicius, Téo, Reinaldo, o genro do Linard, Tadeuzinho, Rominho, Luizinho, Rudimar de novo, todo mundo fez o seu gol, menos o Josafá que entregou a nobre tarefa aos filhos pródigos. E eu e lá na fila.

Enfim, de banho tomado e com cerveja no copo, voltei para ver Benício, absoluto no apito e no relógio mágico, chegar ao empate pelos pés de – sabe de quem? Sabe de quem? Pois é.

Fato é que o jogo terminou em 9 x 9, placar com que azuis e vermelhos homenagearam o perseguido pela zelite branca.

Depois, foi partir pro abraço. Ou abraços, melhor dizendo, sempre temperados pela memória coletiva do grupo, cultivada ao som do samba Aílton Torres e civicamente exercitada por meio de seu emocionante hino nacional.

Ao final, Benício, Rominho, Josafá, Robson, Monir, Tadeuzinho, Linard e Aílton brindaram os presentes com belas e sábias palavras. Por falta de tempo – concederam ao Jorge apenas 5 minutos -, nosso Fidel não conseguiu falar, coitado, revoltando a plateia e seu convidado Tiago, espião da Repartição, em particular.

De minha parte, pedi um parêntese para sugerir que o próximo jogo-treino seja realizado em Macaé, no Clube do Trinta, com direito a ônibus escolar com professora de programa, cujo traje seria um colete impressionista, amarelo ou laranja, óculos na ponta no nariz e prancheta.

Visando ao bom andamento do evento esportivo, haverá uma promoção de diárias completas – barba, cabelo e bigode - no Hotel Beau Soleil, administrado pelo Pastor Josafá, estabelecimento chamado de Beiçola por corruptela da plebe ignara.

obs - Fotos do evento na Pagina de "Imagens de jogos"

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