1 - Resenha 16 de junho de 2018 Serra Verde Minas Gerais
by Gico
Serraverde, tudo junto e misturado
Yo no creo em brujas,
pero que las hay, las hay.
Considero-me um
supersticioso pertencente ao sincrético time dos cartesianos descrentes, cético
à brasileira, cuja maior síntese provém do castelhano, razão pela qual tomo a
máxima universal como epígrafe.
E qual o porquê da
alusão às bruxas, se apenas benfazejas fadas, princesinhas e rainhas do lar
juntaram-se a nós nesse programa à beira da Estrada Real? Pois bato três vezes
na madeira de lei antes de tentar enveredar por tão tortuosos caminhos,
porquanto fui o primeiro dos responsáveis pela escolha do Serraverde para o
encontro sociofutebolístico semestral da boa família trintense.
Assumo ter dado apenas o
pontapé inicial na empreitada, em razão de, em termos efetivos, ter sido o
consultor Heleno, por uma misteriosa conjunção dos astros do hemisfério Sul com
as rodovias mineiras, aquele que garantiria aos demais próceres do Fiammetta as
evidências e os diagnósticos que comprovariam a qualidade intrínseca da minha
mui humilde indicação.
Apenas um vitorioso
gestor de processos poderia acalmar - com fatos e dados - aqueles ainda
traumatizados pelas tenebrosas condições do malfadado Sítio 5 de Vargem Grande,
campo que fez sombra ao Arvoredo, quando o natural é o oposto, a harmonia em
que a Copa cobre o Sol para nos dar as sombras.
Pois agora, em plena
Copa, tal e qual o epílogo de um intrincado romance, a resposta emerge do
caldeirão de asas de morcegos e alfaces ferventes; o desvendamento do enigma
vem à tona junto com os rituais que sacrificaram personalidades do mundo
solitário onde não nasce grama, de solitárias criaturas que se postam nos
últimos redutos das barreiras, que guardam as linhas fatais das cidadelas, não
raro ocupadas em inclementes bombardeios aéreos ou vítimas de tramas rasteiras.
Heróis estoicos no
limiar do masoquismo, os goleiros sofrem por nós, que somos os primeiros a
zombar do papel deles. Mas foram os atacantes que, como feiticeiros, viram-se
queimados na fogueira armada por São João, depois de atraídos pelas forquilhas
que sustentam os dormitórios das corujas, cujo piar de mau agouro, língua que
tão bem compreendem, é semelhante ao crocitar dos corvos europeus que
assombraram Karius e De Gea.
Sim, pois nunca na
história deste país uma pelada, um racha ou baba de 90 minutos, sem marcação de
impedimento, terminou em zero a zero.
Que me perdoem os
não-místicos e incrédulos em sortilégios e mandingas, mas somente a combinação
da reza forte de todas as crenças justificaria o resultado que paralisou o
relógio do Eterno Presidente no empate primal, imaculado, sem o irresistível
pecado do gol.
E foi esse ritual que
procurei decifrar nas entrelinhas, tudo para justificar o Sobrenatural que não
foi apenas de Almeida, mas também de Galvão não Bueno, este onipresente em
época de Copa. Haja coração pro Téo assistir ao sub 15 Thomás, e o orgulho do
STD em relação ao juvenil Igor Todo Durinho.
Malgrado as três
brilhantes atuações, abro um parágrafo especial para Barrão, em última análise
o grande causador da façanha que há de entrar para os anais do Clube dos
Trinta.
Aos mais afoitos,
porventura mal acomodados em seus respectivos armários e trenzinhos aquáticos
no Clube Cidade do Sol, com notórias tendências à homoafetividade senil –
liberdade ainda que tardia, como prega(s) a bandeira mineira -, destaco a
preposição “para” que antecede tais anais, que torna inócua a alegre
predisposição.
Mas o fato é que tudo
começou quando Barrão recebeu as luvas autografadas por Muralha, seu ídolo –
minha culpa, minha máxima culpa.
Mantiqueira é um termo
de origem tupi, fruto da junção das palavras chuva (amana) e gota (tyryra), que
os conquistadores não conseguiram catequizar, como era praxe na nossa geografia
temente a Deus. Pelo menos, a fé importada não removeria essas montanhas dos
mapas.
Pouso Alto de tropeiros,
localizado a poucas léguas da Garganta do Embaú, bica ou aguada na língua dos
nossos índios, a serra verde era o lugar de se molhar a garganta não
topográfica, não alcoólica.
Um São Gotardo aqui, um
São Lourenço ali, um São Paulo lá, Serra de São José acolá e estamos todos
perdoados; se não com os frequentes sinistros de mulas carregadas de ouro para
a Metrópole, pelo menos em caso de acidentes geográficos, pois a região já
tivera as suas trilhas visuais e cósmicas costuradas pelo Pico das Agulhas
Negras.
Em relação ao mapeamento
então proibido pela Coroa Portuguesa, abro um parêntese para recomendar o livro
Ouro e Estrelas, ambientado no século XVIII, em um tempo em que a linda e
colonial Tiradentes se chamava Arraial da Ponta do Morro, prestes a ganhar o
batismo como São José d’El Rey, muito antes de tomar emprestada a alcunha do
enforcado alferes. E fecho o parêntese para retornar ao século 21, em
algarismos arábicos, em uma velha fazenda de café tornada hotel por trapaças da
produtividade da terra roxa.
Em pleno período de
seca, a chuva dava o ar da graça no fim de semana que começara há três outras,
em Kiev, na Ucrânia, quando Karius foi atingido por forças que impulsionaram a
bola totalmente dominada em suas mãos para os pés de Karim Benzemá.
Karius e Karim não têm
em comum apenas as quatro primeiras letras do nome, Kari, não por acaso o termo
com que os tupis chamam o homem invasor de suas terras, expressão que deu
origem à palavra carioca, casa de branco. Todavia, apenas um deles tinha a
bênção no apelido de família, corruptela francesa de “Benzez moi”. Graça e
sacrifício misturaram-se no cabalístico KKK.
E logo as mãos do goal
keeper alemão – inimigo em carioquês contemporâneo - do Liverpool,
invertebradas em Kiev após o tombo do Faraó Salah profanado por Sérgio Ramos,
deixaram suas luvas sem a devida estrutura óssea. Foi exatamente quando Barrão,
ao ouvir soar as trombetas celestiais pela remissão de Muralha, resolveu
colocar as suas luvas na mala.
Quis o destino que e eu
e Heleno fôssemos juntos, na quinta-feira, para fiscalizar a Broinha’s Arena, naming
right que traz o produto campeão regional como chamariz aos clientes não
atingidos por infecções bacterianas de ordem capitalista. Zé Valmir também fez
parte do grupo precursor, porém sem o compromisso próprio daqueles que estavam
com seus depoimentos em jogo, credibilidade à prova, à mercê das línguas mais
ferinas, o que o fez buscar outros caminhos para melhorar o clima da chuvosa
manhã de sexta.
Depois de termos
passeado com nossas respectivas mulheres até a belíssima horta que serve ao
estabelecimento hoteleiro, onde alfaces pontificavam entre couves e ervas
aromáticas, vistoriamos o campo de jogo.
Uma vez apontados os
pontos para melhorias, os funcionários do Serraverde puseram-se a rodar o PDCA
como a velha roda d’água desativada pela tecnologia da eletricidade. Atentos ao
nosso relatório baseado no PNQ, pra Falconi nenhum botar defeito, nossos
fornecedores marcaram as linhas tortas onde Deus escreveria. Last, but not
least, expulsaram os formigueiros dos quatro segmentos ortogonais entre si, cujas
dimensões eram de 65m x 38m.
A tarde de sexta, noite
em Sochi, na Rússia, teria como atração o jogo entre Portugal e Espanha, mas
seria marcada pelas mãos do espanhol De Gea, keeper do Manchester, por
desígnios divinos a City rival de Liverpool, apesar de defender o poderoso
United. Isso porque Sérgio Ramos viu-se punido três vezes por um companheiro
cristão, Cristiano em castelhano, com quem comungara a vitória sobre os
ingleses em um dos símbolos da Guerra Fria, Kiev, a Istambul setentrional,
marco da separação entre Ocidente e Oriente, entre fiéis e infiéis.
Em equipes adversárias,
os artífices do tricampeonato mundial do Real Madrid enfrentaram-se em um jogo
de seis gols, típico empate perseguido por Benício e seu relógio mágico, em que
o terceiro viria com as mãos de alface do arqueiro espanhol.
Foi quando Barrão, a
esta altura subindo uma embaçada serra verde, coberta por espesso véu de
nuvens, vencendo um ruço com C cedilha sem prévia combinação com os russos,
ainda inconsciente de sua decisão de prestigiar o ídolo, foi iluminado pela
epifania que o faria calçar as amaldiçoadas luvas autografadas pelo desterrado
moicano.
No presságio revelado
pela conspiração dos astros, reforçados pelo tonitruante Tupã, sempre à frente
da atmosfera reinante na Mantiqueira, Rudimar teria que ser neutralizado pela
cor do entendimento, a azul, enquanto Camerini deveria vestir o sangue
colorado, em um Gre-Nal às avessas, esotérico Nal-Grê.
Tudo começou ao
contrário, com a troca de camisas precedendo a partida, ocasião em que fiz o
que teria feito ao final do jogo, trocar o colete com o artilheiro adversário,
Guiga. Descemos para o campo em vez de subir.
Foi lá que se operou um
milagre pré-oração. O fenômeno ocorreu na companhia do querido Badá no Rio de
Janeiro, nas mãos de Heleno, ali presente sem wifi apesar de vetado pelo nosso
Departamento Médico, que não sabe e jamais saberá o que é chinelinho.
Foi quando o Eterno,
querendo puxar a brasa para a sua sardinha com dupla prótese, ousou rogar em
causa própria antes da oração puxada pelo Pastor Josafá, dessa vez auxiliado
pelo coroinha – ou coroazinho - Orelha.
Pra quê! Que reprimenda
contida na ira santa! Com o rabo entre as pernas encimadas pelas aludidas
articulações coxofemorais biônicas, o presidente cedeu ao representante da
massa, ensejo para o líder religioso entoar o Pai Nosso no grande círculo. E,
seguindo o líder, todos nós pudemos pedir perdão pelas nossas ofensas, fato que
parece ter coberto ataques e contra-ataques, hoje transição ofensiva pelo
catecismo dos técnicos de nível A, B ou C.
Fato é que, uma vez
trilado o apito inicial, tudo passou a impedir o gol, a começar pelo prodígio
que fez escorregar um pouco mais o meu pé de apoio, salvando Barrão do
infortúnio inevitável nas redes. E não tardei a ser punido em um lance com
Camerini, jogada sem falta, por sinal na única oportunidade em que o nosso
Gamarra deixou o seu Gre-Nal particular às avessas, talvez para seguir um
líder.
Se Agenor foi
celebrizado como aquele que joga a bola nas alturas, como Hosana, ele salvou
Galvão batido, em cima da linha. Foi a primeira vez que se ouviu uma vírgula em
campo: “Tira, Agenor!”. Escutamos a súplica coletiva da equipe celeste, em vez
da consagrada reclamação individual “tira Agenor!”.
Já pelo lado terreno,
Tatau e o pastor engalfinhavam-se em campo. O religioso chegou a mandar Agenor
tomar no c#@&u, mostrando que a igreja, aos poucos, vai se adaptando à
realidade da sociedade moderna.
Em jogada inusitada, o
polêmico zagueiro chegou a ser contido pelo juiz. Não pelo apito soberano, mas
pela parede de um estático Heleno que dividia a arbitragem com Benício, ocasião
em que o xingamento foi permitido sem as devidas sanções regulamentares.
Um em cada baliza,
Barrão e Galvão pegaram até pensamento. Inclusive os mais ortodoxos. Se as
traves estavam rezadas, a troca de campo com a permanência de goleiros
confirmaria a macumba, própria de campeonato baiano.
Quando Guiga recebeu
sozinho na cara do Barrão, vibrei por antecipação por ver a minha camisa
inaugurar o placar e quebrar o feitiço. Só que não. A cerveja, o Hollywood e
cachacinha de Quissamã não foram dopings suficientes, pois uma quase furada na
orelha da bola manteve o encanto incólume.
Logo a seguir, Gélson
acordou a coruja, porém a que dormia na baliza à qual coubera defender. Trave.
Tanto que lá pelos quinze do segundo tempo, a nova geração de goleiros foi
convocada para dar chance aos velhos.
Entretanto, logo o
sub-15 Thomás reapresentaria o seu cartão de visitas, distribuído em Floripa e
que há de conduzi-lo, quem sabe, ao Ninho do Urubu. Foi em um chute certeiro de
Reinaldo, que ele soube espalmar, mas para os pés de quem? Sim, para Rudimar,
endiabrado em seu azul anil. Porrada desviada pra escanteio para espanto de
todos os presentes, até para o cavalo baio que estancaria a marcha para um
relincho de aprovação. Só os bovinos pastaram diante de tão arrojada
intervenção.
Por outro lado, Igor
Todo Durinho não tomou conhecimento do ataque comandado pelo Pastor, que chegou
a se aliar ao Coisa Ruim – não é quem você está pensando – para, aos gritos –
hahahaha -, tentar tomar o lugar do Tinoco, o mesmo craque que aplicou um drible
desconcertante em Reinaldo ainda no primeiro tempo.
Quando o zero a zero já
vinha desenhado no horizonte, um balaço de Rudimar venceu o goleiro, porém o
árbitro de vídeo feito pela Andréa, cara metade do Monir, em licença médica que
retirou o craque do jogo, vira falta do tanque em Renato, mostrando que a
tecnologia veio para ficar no Trinta, para desespero do Mauro e do Nelsinho,
este acompanhando pessoalmente as melenas do Neymar na Copa.
Falando no sósia da
Mart’nália, ao fim do jogo, começou o cai-cai. E o grande momento foi a
simulação de um soco no Gre-Nal, razão pela qual Camerini ganharia o prêmio de
melhor intérprete da linha. A vitória viria por WO em cima do Nilo na entrega
dos troféus, pois os quatro mais importantes do dia foram vencidos pelos
goleiros, com direito a lágrimas do Barrão que, enfim, com as luvas do redimido
Muralha, viu oficialmente reconhecido o seu
papel.
Já no extracampo, as
mulheres brilharam, como sempre. Denise no bingo, Bebel na escolha de Philippe
Coutinho, suplantando em conhecimento o vencedor do bolão, Tatau, por meio de
seu abalizado palpite para o autor no gol no primeiro tempo, e Maria Inês na
dança das cadeiras.
A companheira do Heleno,
pelo meu modesto ponto de vista, foi a grande vencedora da disputa. Isso porque
um player reconhecidamente surdo não pode ganhar esse tipo de certame sem
sortilégios ou captações de infra ou ultrassons. Falando em fisioterapia, ainda
a favor do ouro para ela, a disputa teve como medalha de bronze nas Cadeiras um
concorrente com cadeiras artificiais.
O final do encontro
contou com uma sensacional resenha esportiva comandada por Jorge Orelha que
teve o pastor e técnico classe C Josafá como convidado especial. No programa,
rodado em uma mesa retangular, ainda que redonda em seu cerne, o amigo
espectador do auditório podia participar diretamente, enquanto o telespectador
fazia perguntas pela hashtag #resenhaserraverde. Graças a essa
louvável iniciativa de nossa produção, pudemos testemunhar os ensinamentos
desse treinador de crianças sub-6 que, com toda perseverança, consegue passar à
garotada as primeiras noções de Geometria Euclidiana, por meio do grande
círculo, com 10 jardas de raio, e da grande área, retangular.
Enquanto rolava o
programa, a mulherada, numa espécie de controle remoto ao vivo, promovia a
emancipação feminina no restaurante.
Se o Tomás, filho do
Guiga e xará do meu, conseguiu pedir música no Fantástico na pelada do Day
After, o fato nem de longe ofuscou o acontecimento insólito que há de entrar
para a história como o incrível, fantástico e extraordinário zero a zero na
Broinha’s Arena.
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